Por Vinícius Bozzi
Sendo uma das 46 áreas de atuação legalmente habilitadas para biólogos (as) no âmbito do Meio Ambiente, a Botânica está presente não só na vida dos profissionais em questão; a área possui função vital para a sobrevivência humana, cumprindo um papel fundamental para frear as mudanças climáticas, por exemplo.
Para o biólogo e coordenador do Herbário da Universidade Estadual do Tocantins (HUTO), Eduardo Ribeiro, a relação entre seres humanos e plantas está intimamente atrelada: “desde o ar que respiramos até nossa alimentação do dia a dia, em tudo dependemos delas”. E esse compromisso com a Botânica também se deu na vida de Eduardo: “antes da graduação, fiz um curso técnico em agropecuária em que tive contato com disciplinas de botânica. Além disso, meu pai trabalhava com plantas medicinais, era um ‘raizeiro’, então adquiri essa vivência com plantas. Na graduação em Ciências Biológicas, consegui a sorte de ter bons professores de botânica, o que acabou me influenciando de vez nessa área”.
Já obtendo uma certa experiência no ramo, o ainda estudante teve a oportunidade de integrar a equipe do que viria a se tornar o primeiro herbário do estado do Tocantins. “Minha missão era coletar plantas para incorporar ao Herbário do Tocantins (HTO), localizado na Universidade Federal do Tocantins (UFT), que ainda estava em fase de implementação, então, as primeiras plantas desse herbário foram coletadas por mim quando ainda era um estagiário voluntário. Posteriormente, acabei sendo contratado como técnico, quando ainda estava na graduação.” Após essa experiência no HTO, Eduardo vivenciou o mesmo desafio na Universidade Estadual do Tocantins (Unitins): implantar um herbário na instituição, dessa vez na condição de coordenador. “Conseguimos obter recursos para o financiamento do projeto, que era ‘construir’ esse herbário, e em 2005 realizamos esse feito. Fiquei na coordenação até 2015 e, posteriormente, acabei voltando ao cargo”, conta.
O HUTO integra a Rede Brasileira de Herbários (RBH) ligada à Sociedade de Botânica do Brasil (SBB). Em 2011, o local aderiu ao Projeto “INCT – Herbário Virtual Da Flora e Fungos do Brasil”, coordenado pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e financiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O botânico fala com orgulho pelo fato do HUTO ser o segundo herbário na história do Tocantins e expõe sobre as características e funções do local: “atualmente temos mais de 8 mil espécies de plantas catalogadas, sendo 8.116 amostras disponibilizadas de forma on-line e 3.247 imagens dessas amostras, todas na plataforma do herbário virtual. Ter essas amostras de forma virtual deu muita visibilidade ao nosso herbário, pois recebemos contribuições de especialistas do mundo inteiro. Uma das funções do HUTO é que ele seja útil para a comunidade em todos os aspectos, seja ela científica, docentes, discentes e pessoas que tenham interesse no tema. Além de mim na coordenação, temos uma técnica e alguns alunos bolsistas atuando e apesar da equipe pequena, recebemos visitas guiadas, principalmente de alunos de escolas públicas e particulares”.
Há cerca de dez anos, o INCT produziu uma matéria sobre a importância dos herbários, em que houve uma comparação das espécies do HUTO com as espécies do herbário do Jardim Botânico de Nova Iorque (NYBG), episódio que o botânico relembra com humor. “Quando me contataram perguntando sobre a possibilidade de fazerem essa comparação, falei que havia uma disparidade muito grande, o herbário da Unitins com aproximadamente 5 mil amostras à época, enquanto o herbário de Nova Iorque já possuía milhões de amostras de espécies, vou me sentir humilhado com tamanha diferença quantitativa. Porém, me afirmaram que o propósito era mostrar que os herbários, independente do seu tamanho, são importantes para o estudo da Botânica. E realmente, possuímos amostras de plantas que não existem em outras localidades”, finaliza.
Falando com a experiência de um profissional que atua na botânica há mais de 20 anos, Ribeiro esclarece sobre o papel do biólogo nesse âmbito: “acho que o biólogo tem o papel de informar e apresentar a importância das plantas para a sociedade, é preciso socializar o conhecimento em torno dessa temática para que as responsabilidades de preservação sejam divididas, pois todos nós somos beneficiados dos serviços ambientais promovidos por elas”, afirma.
Descoberta de novas espécies
No próprio âmbito da botânica, Eduardo Ribeiro participou de um estudo que proporcionou a descoberta de quatro novas espécies de plantas da flora brasileira, sendo duas delas endêmicas do Tocantins; as espécies pertencem ao gênero Symphyllophyton. O estudo resultou no artigo Synopsis of the Brazilian genus Symphyllophyton (Gentianaceae) with four new species, publicado em 2021 no jornal de taxonomia botânica Phytotaxa. “Pela vivência com herbários, sabemos onde existem especialistas nos grupos botânicos. Enviamos amostras das espécies que coletamos para especialistas do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, que fizeram a análise; a partir disso, uma equipe do próprio Jardim Botânico realizou expedições para encontrar outras amostras dessas espécies no Tocantins e em outros estados. Com esse trabalho, foi possível constatar que de fato eram novas espécies, sendo duas delas endêmicas do estado tocantinense, a Symphyllophyton gradatum e a Symphyllophyton strictifolium, resultando na produção e publicação do artigo.”
O botânico ressalta que essas descobertas apontam para a necessidade de avanço em termos de coleta, visto que, ainda nos dias de hoje, existem espécies da fauna desconhecidas pela comunidade científica. “Temos uma corrida contra o tempo para coletarmos essas plantas, os esforços precisam ser ampliados antes que as espécies sejam extintas”, afirma o biólogo, com preocupação. Ainda nesta pauta, ele finaliza contando acerca de um projeto que participa, visando mitigar esse processo: “é um projeto financiado pelo Ministério do Meio Ambiente e coordenado pelo Instituto Natureza do Tocantins (Naturatins) onde trabalhamos com espécies de plantas que estão ameaçadas (de extinção) em seu mais alto nível, então, buscamos encontrar onde elas ocorrem. Pelas ações humanas, com a degradação do ambiente natural, temos percebido uma pressão muito grande sobre a flora no estado e graças a esse programa, já conseguimos identificar quatro espécies que estão criticamente ameaçadas, porém, podem existir outras que estejam na mesma situação, o que mostra a necessidade de ações como essa”, pontua Eduardo.